A Ditadura Militar foi um dos períodos mais tenebrosos da História do nosso Brasil, onde causou um impacto devastador na vida de muitos que viveram naquela época, sem contar as milhares de pessoas que sofreram ou desapareceram nas mãos dos militares (e que tenha muitas pessoas que desejam o retorno dela só mostra como o nosso povo tende ao esquecimento, infelizmente). Um dos períodos que precisam ser retratados pelo nosso Cinema (da mesma maneira que a Segunda Guerra Mundial sempre traz novas histórias cinematográficas todo ano por parte dos americanos), Ainda Estou Aqui retrata aquele período da nossa história, e revela-se um drama angustiante em suas dores e devastador nos seus sentimentos.
Centralizando a história em Eunice Paiva, que tem seu marido sequestrado pelos militares em plena Ditadura Militar e não só busca pelo paradeiro do marido, como também precisa manter a família unida, Ainda Estou Aqui busca trazer uma abordagem sóbria, que evita forçar o espectador a chorar (uma marca que o diretor Walter Salles traz para boa parte de seus filmes). Trazendo um primeiro ato leve, quase sereno, que embora situado naquele tenebroso período histórico, os militares parecem algo distante, longe de chegar na casa dos Paiva, e quando inevitavelmente chegam, é como se o ar esvaziasse a casa deles (e também a sala de cinema), e dali em diante, Ainda Estou Aqui se converte momentaneamente em um terror pesado e se transforma de vez em um drama angustiante e profundamente triste. Um que os personagens sabem que aquela saudade jamais será aplacada, e que sabe que falar – e até pensar – sobre isso é o mesmo que coçar uma ferida que nunca vai cicatrizar.
Aliás, a estratégia por parte da direção de Walter Salles é inteligente, mas também brilhante em sua abordagem: Em seu primeiro ato, a fotografia (rodada em película) confere uma textura nostálgica àquelas imagens granuladas, adotando também uma paleta de cores alegres e ensolaradas, como se estivesse nos levando a ver os registros da vida daquela família (onde chega a adotar filmagens em Super 8 em alguns momentos). E a partir do momento que os militares invadem a casa dos Paiva, eu poderia dizer que Salles está resgatando o que ele fez com maestria na excelente refilmagem Água Negra (que ele dirigiu em 2005), já que a sequência que os militares chegam à casa dos Paiva é excepcional na tensão insuportável que se constrói, adotando sombras carregadíssimas que indicam o horror e a angústia que irá se manter pelo resto da vida daquelas pessoas conforme aquelas cortinas se fecham, além de alterar quase que sutilmente a paleta de cores, que vai se tornando cada vez mais sombria e sem vida (atingindo um ápice na sequência que Eunice é interrogada e passa vários dias presa, onde a fotografia se aproxima de um filme de terror e o granulado da película confere um aspecto sujo e degradante, e não há como negar que essa sequência consegue ser angustiante e assustadora à sua própria maneira).
Outro aspecto que ajuda a sustentar essa abordagem sóbria é a excelente atuação da brilhante Fernanda Torres: Buscando trazer força para Eunice Paiva, a atriz é inteligente em retratar a mudança que sua personagem passa ao longo do filme, que de mulher alegre e cheia de vida, a partir de determinado momento, seu semblante vai se fechando, evitando demonstrar o turbilhão de dor e saudade que está sentindo, de forma que os próprios filhos não percebam (embora ocasionalmente isso acabe escapando). E é a capacidade da personagem de jamais se deixar vencer pela angústia que os militares causaram àquela família que torna sua jornada tão trágica e ao mesmo tempo, grandiosa. Mais do que isso, é a capacidade da atriz de nos fazer sentir a dor e a saudade de Rubens, mesmo evitando demonstrar isso, como se estivesse encontrando forças sabe-se lá de onde, que torna a sua atuação tão bela e tocante. E o elenco coadjuvante também se sai muito bem ao emprestar naturalidade e verdade aos seus personagens, onde vale destacar Dan Stulbach e Humberto Carrão, mas também Selton Mello (que nos faz sentir falta do seu Rubens ao trazer seu carisma natural, junto do ímpeto de ajudar da figura real, e sua última cena é tocante ao sugerir que ele sabia que não voltaria para casa) e claro, a grande Fernanda Montenegro, que com apenas o olhar vazio e o silêncio, evocam uma dezena de emoções.
Mas Ainda Estou Aqui merece aplausos também pela qualidade técnica do filme: O design de produção faz uma recriação de época absolutamente impecável, nos mergulhando totalmente no período com a ajuda dos figurinos e da maquiagem. Além disso, a trilha sonora se destaca por ser mais discreta e menos apelativa nas emoções que quer fazer o espectador sentir, enquanto a montagem sustenta o ritmo da história, sem jamais se tornar cansativo.
E mesmo sendo um filme carregado de carinho, Ainda Estou Aqui traz uma dor imensa por baixo da família Paiva e quando Eunice diz para os filhos pequenos que "será um longo processo" em relação ao pai deles, a fala é perfeita ao sugerir como aquela situação levará anos não só para curar aquela ferida, como também a compreensão que aquelas crianças só terão quando mais velhos. Sim, sorrir é a forma perfeita que eles encontram para continuar a suportar uma dor e uma saudade que nunca vai passar, e também de mostrar força diante de tudo. Mas o vazio, a saudade daquilo que nunca tiveram, isso continuará lá entre eles. Mas não só deles, mas de inúmeras pessoas que até hoje jamais puderam enterrar seus entes querido, algo que este excelente filme não só compreende, como também serve para nos fazer lembrar de um passado que jamais deve ser esquecido.
PS.: Há a exibição de fotos de arquivo durante os créditos finais.
Gênero: Drama
Duração: 135 Minutos
Distribuição: Sony Pictures
Direção: Walter Salles
Elenco: Fernanda Torres, Selton Mello, Dan Stulbach, Humberto Carrão, Luiza Kosovski e Fernanda Montenegro